Artigo escritor pelo fisioterapeuta Pedro Martins
As lesões são inerentes ao Futebol. Será difícil (para não dizer impossível) encontrar uma equipa de futebol que não tenha registo de lesões durante uma temporada. Nos dias de hoje fala-se muito em prevenção de lesões. Mas será que existe alguma fórmula mágica para evitar lesões? Será que alguém pode garantir que se o atleta cumprir determinado programa de treino no ginásio, um plano alimentar devidamente individualizado, cumpra à risca os horários de descanso, etc etc, não se irá lesionar?
Quando surge uma vaga de lesões numa equipa de futebol, muitas vezes se questiona o porquê destas estarem a acontecer em maior número. Desde a falta de flexibilidade dos atletas, ao estado do relvado, elevado número de jogos, intensidade dos treinos, etc etc, são muitas vezes apontados como a causa do elevado número de lesões. Mas será que estes factores de forma isolada explicam a ocorrência de lesões no Futebol?
Na verdade, falar de prevenção de lesões é bem mais complicado do que se possa pensar. Bittencourt et al, em 2016, publicaram um artigo que também faz parte do Guia das lesões musculares do Barcelona, em que explicam que as lesões não são causadas por componentes isoladas e a relação linear nas lesões desportivas não existe. As lesões têm uma característica complexa e dependem de diversos factores, alguns com mais peso que outros, mas quando há uma interacção entre eles começam a reunir-se condições para determinado atleta se encontrar em risco elevado de se lesionar.
Voltando um bocadinho atrás e falando de factores que podem influenciar a ocorrência de lesões no Futebol, será que o elevado número de jogos aumenta o risco de um atleta se lesionar? Sim, mas não de forma isolada. Há atletas que fazem 70 jogos numa temporada e não se lesionam e outros que fazem 2 jogos e acabam por sofrer uma determinada lesão. Então temos que aprofundar um pouco mais.
Será que o estilo de liderança do treinador influência a ocorrência de lesões no futebol? Um artigo de Ekstrand et al, de 2017 afirma que os treinadores mais comunicativos, abertos a ideias novas e com um estilo de liderança mais democrático com os jogadores e o staff têm menor índice de lesões nas suas equipas. Mas, se tudo isto funcionasse de forma isolada bastava escolher um treinador com estas características para resolver o problema, o que não acontece.
Será que a importância do jogo influência a ocorrência de lesões no Futebol? Um estudo de 2014 mostra que há mais incidência de lesões em jogos com maior importância (por exemplo jogo do campeonato/jogo de Liga dos Campeões). Jogo de extrema importância para a equipa é sinonimo de risco aumentado para o aparecimento de lesões? Sim, mas não de forma isolada.
Muitas vezes se afirma que o elevado número de lesões na equipa é devido ao estado do relvado. Mas se esse fosse o único factor então todos os jogadores que jogam em relvados em mau estado teriam lesões, o que não acontece. Também se diz que os relvados sintéticos colocam os jogadores em elevado risco de lesão se compararmos com um relvado natural. Será verdade? Um estudo de 2017 afirma que não. A incidência de lesões em relvado sintético e natural parece ser idêntica.
Estes são apenas alguns exemplos de factores que podem influenciar a ocorrência de lesões no futebol mas que só podem ter algum suporte quando ocorrem em conjunto.
Falando de forma mais específica das lesões musculares, estas são geralmente uma enorme dor de cabeça para os departamentos médicos, pois ocorrem em grande número e representam muitas vezes um longo tempo de afastamento dos atletas dos treinos e da competição.
As lesões ocorrem quando vários factores de risco interagem em conjunto num determinado momento, geralmente em treino ou competição. Por outras palavras, a etiologia das lesões é complexa, dinâmica, multifactorial e depende do contexto não existindo uma receita milagrosa para prevenir lesões. O trabalho que realizamos com determinado atleta ou clube e que teve bons resultados não significa que possa ser replicado noutra realidade, contexto e com outros intervenientes. Abordagens individuais, contínuas e complexas são o caminho quando queremos elaborar um plano com o objectivo de reduzir o índice de lesões numa equipa de Futebol.
Assim sendo, os principais factores de risco para ocorrência de lesões são:
- Historial de lesão (um atleta que tenha histórico de lesão em determinado músculo tem maior risco de ter uma nova lesão)
- Força do Atleta
- Fadiga
Num segundo patamar podemos colocar factores como a gestão da carga interna e externa, qualidade do movimento e aspectos psicológicos.
Jogadores que exibem um perfil incluindo um histórico de lesão muscular, altos níveis de fadiga e níveis de força muscular baixos são considerados como atletas com um risco aumentado de sofrer uma lesão muscular. Um histórico de lesão prévia em determinado músculo pode alterar o nível de aptidão física, a força muscular e consequentemente o processo de fadiga.
Como resposta ao treino o atleta pode ter 2 tipos de resposta. Por um lado, a melhoria da sua capacidade aeróbica, de força, etc, contudo, quando não há uma correta gestão das cargas podemos ter consequências negativas e levar o nosso atleta à fadiga que pode consequentemente colocá-lo em risco. A fadiga é o resultado global da relação entre carga de trabalho externa e interna. A carga de trabalho externa (trabalho total realizado pelo atleta, distancia percorrida, tempo, numero de repetições e séries, sprints, etc) é controlada através de acessórios como GPS, cronómetros, acelerómetros, dinamómetros, etc e que quando mal gerida e aliada a tempos de recuperação reduzidos, calendário congestionado de jogos aumenta a densidade da carga de trabalho e pode adicionar factores psicológicos aos jogadores como o stress, que vai influenciar a carga de trabalho interna. A carga de trabalho interna é influenciada pelas características físicas, de aptidão, de força e nível de stress, bem-estar e humor. Esta pode ser medida pela frequência cardíaca, concentração de lactato e de forma mais subjectiva através de escalas de percepção de esforço (PSE).
Quando há um histórico de lesão muscular, pode haver alteração do tecido muscular (por exemplo, fibrose) que pode levar a uma fraqueza e desequilíbrio no músculo.
Existem também factores que não nos podemos esquecer tais como: mobilidade articular, que tem relação com a qualidade/eficiência do movimento e idade do atleta.
Concluindo, deveremos sempre desconfiar de qualquer propaganda que visa a prevenção de lesões e sim acreditar que podemos intervir de modo a reduzir o risco. É um enorme desafio para qualquer Departamento Médico e só uma abordagem centralizada na individualidade pode trazer sucesso à nossa intervenção. A Natureza multifactorial das lesões leva-nos para uma teia com muitas variáveis difíceis de controlar, sendo o nosso papel dentro das nossas possibilidades intervir nos factores que são modificáveis de modo a reduzir o risco de aparecimento das lesões.
Fontes:
- Muscle Injury Guide: Prevention and Return to play from injuries (Barça Innovation Hub 2018).
- Complex systems approach for sports injuries: Moving from risk factor identification to injury pattern recognition-narrative review and new concept. British Journal of Sports Medicine · July 2016, Bittencourt et al.
- Effect of 2 Soccer Matches in a Week on Physical Performance and Injury Rate. September 2010 .The American Journal of Sports Medicine 38(9):1752-8. Gregory Dupont et al.
- Incidence, Mechanisms, and Severity of Match-Related Collegiate Men’s Soccer Injuries on Field Turf and Natural Grass Surfaces: A 6-Year Prospective Study. The American Journal of Sports Medicine. November, 2016 Michael C. Meyers
- Muscle injury rates in professional football increase with fixture congestion: An 11-year follow-up of the UEFA Champions League injury study. August 2013. British Journal of Sports Medicine 47(12):743-747. Håkan Bengtsson et al.
- Is there a correlation between coaches’ leadership styles and injuries in elite football teams? A study of 36 elite teams in 17 countries. October 2017. British Journal of Sports Medicine 52(8):bjsports-2017-098001. Ekstrand et al.