Acerca da Perturbação do Espetro do Autismo…


Pela nossa psicóloga, Joana Freitas

 

O mundo que abarca a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é um constante desafio. É o desafio incessante de entrar e compreender um mundo que é tão único que nos leva no caminho da procura profunda daquilo que realmente é o autismo em todas as suas vertentes. É uma área profissional de intervenção que exige uma permanente adaptação e atualização, um incansável criar de estratégias para lá entrar e intervir.

Na janela de qualquer indivíduo está a escada que o transporta pelo mundo, a divagar pelos sonhos daquilo que anseia, daquilo que não conhece, mas que adoraria conhecer, conseguir  compreender e lidar… Enveredar pela área da Perturbação do Espectro do Autismo persegue um sonho: cuidar e ajudar crianças, jovens, adultos, oferecendo-lhes, através do imaginário e do  concreto, um conjunto de ferramentas que lhes permitirá lidar com as mais variadas situações do dia a dia. O autismo pede a busca incessante de fazer melhor, sem deixar ninguém para trás. É permitir uma viagem pelo mundo da consciência desconhecida e proporcionar a todos que, de uma forma ou de outra, se deparam com esta condição, permitindo experimentar as mais variadas emoções e sensações. Nesta odisseia surgem receios e dúvidas, dificuldades e obstáculos a serem ultrapassados. Não há margem para desistir. Há margem para crescer.

Concordamos que o desenvolvimento humano, desde tenra idade, é intrigante e de tal forma singular que nos questionamos por onde entrar, porém, com apoio e orientação as possibilidades dos indivíduos portadores da Perturbação do Espectro do Autismo são muito maiores do que poderemos imaginar ou projetar. O seu desenvolvimento é feito dia a dia, minuto a minuto. Cada  conquista revela-se gigante e abre um horizonte de possibilidades. Aquilo que cada um experiência e apreende através dos órgãos dos sentidos permite-lhe conhecer o mundo, questionar e assim
compreender sentimentos e situações. Temas simples como o brincar, o comunicar com os outros e saber ouvir, regras sociais e autonomia estão presentes ao longo de toda a jornada de trabalho, desmontando medos e mostrando como se resolvem situações tão simples que, aparentemente, são tão complexas.

O mundo do espectro do autismo envolve todo o contexto que rodeia o indivíduo, atentando sempre às dificuldades que os cuidadores, sejam eles os pais ou outras figuras relevantes, se deparam no dia a dia, nas situações mais comuns. Uma simples ida ao cabeleireiro pode-se tornar num pesadelo ou um prato de comida em que os alimentos se misturam pode significar a recusa em se alimentar. Tudo é possível ser mostrado, apenas temos de lhes mostrar de uma forma que possam compreender.

Cada ser é um indivíduo único e, como tal, exige um plano de intervenção único e ajustado às suas dificuldades e da família, bem como à idade, potenciando, sempre, capacidades e habilidades. No caso da infância, por exemplo, pretende-se que as crianças possam desenvolver ferramentas que lhes permitam, de um modo mais eficaz e eficiente, lidar com as dificuldades que apresentam  quando se trata, por exemplo, da interpretação dos estados mentais dos outros, das regras e normas socialmente aceites e adequadas ou simplesmente as bases mais essenciais da comunicação. As crianças que se encontram no extremo mais ligeiro do espectro revelam, habitualmente, capacidades cognitivas que podem e devem ser aproveitadas para o ensino das habilidades sociais. “Embora os indivíduos com autismo experienciem o mundo que os rodeia, existem particularidades na forma como o fazem. (…)” (in, Intervenção Psicoeducacional Integrada nas Perturbações do Espectro do Autismo, 2011). Nem sempre as crianças percecionam que as coisas lhes acontecem a elas próprias ou compreendem que os assuntos se referem a si mesmas. A importância desta área de intervenção prende-se ainda com o facto dos pais e cuidadores se depararem com mais dificuldades do que com apoios ao lidarem com esta problemática.

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento marcada por dificuldades na comunicação e interação social, associadas a comportamentos, interesses ou atividades repetitivos e estereotipados. A designação de espectro descende da variabilidade dos sinais e sintomas, desde as formas mais leves até às formas mais graves. Importa assinalar que o autismo não é uma doença. O autismo é uma condição.

O autismo é uma condição médica do sistema nervoso central, que se começa por denotar na primeira infância. Os sintomas surgem precocemente, todavia, frequentemente, só são valorizados quando determinadas habilidades, tais como a linguagem, não acontecem no momento esperado. O diagnóstico é baseado na presença de determinadas alterações de desenvolvimento e comportamento e são vários os instrumentos que nos permitem um diagnóstico clínico fiável e sensível.

Ainda que a deteção precoce seja crucial e determinante na evolução de todo o processo, certo é que os indivíduos diagnosticados mais tardiamente beneficiam largamente ao usufruir de um plano de intervenção ajustado. Há sempre tempo para intervir.

Assim, a intervenção na Perturbação do Espectro do Autismo assenta na avaliação diagnóstica e, simultaneamente promove através do apoio em psicologia, a avaliação comportamental, cognitiva e de desenvolvimento global para delinear um plano de intervenção e atuar o mais precocemente possível. Esta intervenção atua ao nível da intervenção precoce, idade escolar ou na idade adulta, avaliando as necessidades da pessoa e da família, desenvolvendo e implementando um programa terapêutico individualizado de forma a promover todo o seu potencial de desenvolvimento. Todo o trabalho rege-se pelo princípio do desenvolvimento ao longo de todo o ciclo vital, ajustando-se, por isso, às características da faixa etária da pessoa proporcionando um conjunto de respostas  individualizadas para favorecer o bem-estar emocional e cognitivo, bem como promover a adaptação social, escolar, profissional e ocupacional.

Por tudo isto, é de reforçar a importância de uma intervenção adequada e ímpar, independentemente da faixa etária, em todos os indivíduos portadores desta condição.